Nota Técnica da Assessoria Jurídica Nacional (AJN) sobre a Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que versa sobre a substituição de aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia da COVID-19.
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Vimos, por intermédio da presente Nota Técnica, em atenção à solicitação feita a esta Assessoria Jurídica Nacional, apresentar análise sobre a Portaria nº 544, publicada no Diário Oficial da União em 16 de junho de 2020, emitida pelo Ministério da Educação, que trata sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais, enquanto durar a situação de pandemia pelo coronavírus.
A portaria em referência autoriza a substituição das disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados, por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais pelas instituições de ensino superior. O primeiro ponto que devemos esclarecer é que a portaria não impõe o EAD clássico, o ensino à distância previsto na legislação, e nem determina a quebra da Proposta Pedagógica Curricular – PPC, posto que ela sequer menciona o percentual de 40% (quarenta por cento) do curso.
O que a portaria autoriza é que o ensino que seria realizado presencialmente possa ser realizado por meio da utilização de recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais. Outro ponto relevante dessa autorização é que ela não é, a priori, uma determinação, mas uma permissão para as IES promovam tal substituição, que é excepcional e temporária, estendendo-se até 31 de dezembro de 2020. Essa substituição somente atingirá os cursos regularmente autorizados, não havendo que se falar em substituição de aulas presenciais por aulas digitais para aqueles cursos que não possuam tal autorização.
A responsabilidade pela definição dos componentes curriculares que serão substituídos, a disponibilização de recursos aos alunos para acompanhamento das atividades letivas ofertadas e a realização das avaliações durante o período da autorização ficarão a cargo das instituições de ensino superior, que deverão comunicar ao Ministério da Educação a opção pela substituição de atividades letivas, mediante ofício, em até quinze dias a contar do início das atividades. Aqui, especificamente quanto a esse ponto, parece haver razoabilidade nessa previsão, já que as instituições de ensino superior possuem autonomia administrativa e de gestão e são as que melhor conhecem a realidade da classe trabalhadora e do corpo discente.
Porém, é de se pontuar que o prazo de quinze dias para que a IES manifeste a adesão à substituição das aulas presenciais é curto, inoperável e pode levar a uma decisão unilateral em algumas instituições, sem que o tema seja debatido com a sociedade acadêmica. Importante apontar que a Portaria é omissa quanto a quem prestará essa informação, o que permite afirmar que deve ser uma decisão da maior instância da instituição e não somente uma decisão da reitoria.
A portaria disciplina ainda a situação das práticas profissionais de estágios ou práticas que exijam laboratórios especializados, impondo que eventual substituição dessas atividades deverá observar as Diretrizes Nacionais Curriculares aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação. Em todo caso, a substituição das atividades práticas profissionais ou de laboratórios especializados deverá constar de planos de trabalho específicos, aprovados pelos colegiados dos cursos, devidamente apensados aos projetos pedagógicos dos mesmos. Em qualquer hipótese, é vedada a substituição das aulas presenciais pelas aulas digitais daqueles cursos que não estejam disciplinados pelo Conselho Nacional de Educação.
Isso não significa dizer que os projetos pedagógicos que não tenham previsão de ensino à distância estariam liberados da substituição das aulas presenciais pelas aulas digitais, mas somente que as aulas práticas profissionais de estágios ou aulas práticas que exijam laboratórios especializados observem as Diretrizes Nacionais Curriculares do CNE e que, na hipótese de lá haver a permissão para a substituição, que os planos de trabalho sejam aprovados pelo colegiado do curso e apensados aos projetos pedagógicos. Ou seja, é possível que existam cursos que o projeto pedagógico não preveja a possibilidade de substituição das práticas aulas presenciais por aulas digitais mas que as Diretrizes Nacionais Curriculares assim o prevejam, o que pode permitir a substituição.
Além da substituição das aulas presenciais por aulas digitais, a Portaria permite que as Instituições de Ensino Superior promovam a suspensão das atividades acadêmicas presenciais durante o período da pandemia, e essa autorização de suspensão tem prazo de validade até 31.12.2020. Porém, determina que, nessa hipótese, as atividades acadêmicas suspensas deverão ser integralmente repostas, para fins de cumprimento da carga horária dos cursos, conforme estabelecido na legislação. Isso significa dizer que, havendo a suspensão das atividades acadêmicas, os docentes não estarão livres do cumprimento da carga horária das disciplinas e do curso, conforme o plano pedagógico do curso. Inclusive, a portaria permite que as instituições de ensino superior alterem o calendário de férias, desde que cumpram a carga horária dos cursos. Nesse caso, não há que se falar em desrespeito ao PPC, pois a substituição de aulas presenciais por ensino digital para aquilo que não está previsto no projeto pedagógico é uma autorização temporária e excepcional vinda do MEC, e que somente atingirá os cursos regularmente autorizados, não havendo que se falar em substituição de aulas presenciais por aulas digitais para aqueles cursos que não possuam tal autorização.
Perceba que quando o MEC previu a substituição das aulas práticas presenciais e de laboratórios, a imposição da Portaria é que seja feito plano de trabalho, aprovado em colegiado e apensado ao PPC, sem que isso implique em modificação do Plano até então existente. Ora, se para essa determinação não se impõe a modificação do PPC, não há porque se presumir que a substituição das aulas presenciais pelo ensino digital implique em modificação do mesmo.
Aqui, surge a seguinte controvérsia: as instituições de ensino superior que optarem pela substituição das aulas presenciais pelo ensino digital precisarão interromper a eventual suspensão do calendário acadêmico atual, retomando o calendário. É que para dar prosseguimento às aulas digitais, não há que se falar em manutenção de suspensão do calendário que tenha sido determinada anteriormente. Ou a IES adere à substituição ou a IES suspende o calendário, já que a portaria não prevê nenhuma hipótese híbrida de suspensão com educação digital. Também não há nenhuma previsão acerca dos docentes que, tendo a IES aderido ao ensino digital, precisem lecionar a mesma disciplina posteriormente de forma presencial. A priori, entende-se que não há qualquer imposição nesse sentido, mas como a IES é quem ficou responsável pela estruturação dos componentes curriculares que serão substituídos, pela disponibilização de recursos aos alunos para acompanhamento das atividades letivas ofertadas e pela realização das avaliações durante o período da autorização, pode ser que alguma determinação ocorra nesse sentido, sobretudo como uma tentativa de garantir o ensino para aqueles alunos que não tenham como aderir ao ensino digital.
Para além dos esclarecimentos acima, é claro que a Portaria pretende, ao fim e ao cabo, promover o contexto necessário para substituição das aulas presenciais. O Ministério da Educação tem competência para fazê-lo e adotou a permissão do exercício de alguma discricionariedade pelas instituições de ensino superior, o que é positivo. Contudo, estabeleceu prazo exíguo para manifestação da adesão e não apresentou nenhuma indicação de solução para os problemas que serão enfrentados pelas instituições, o que certamente gerará situações desiguais e anti-isonômicas entre os trabalhadores e os alunos. Assim, é necessário ratificar as ponderações feitas por essa assessoria jurídica na Nota Técnica que trata da educação à distância e do trabalho remoto. O importante é identificar que todas as medidas em questão são excepcionais e, em razão disso, possuem aplicabilidade limitada ao período em que perdurar a pandemia, ao menos no estágio atual de necessário isolamento das pessoas, como forma prioritária de contenção do contágio. Sendo o que tínhamos para o momento, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam necessários.
Documento original:
Atenciosamente,
Leandro Madureira Silva OAB/DF nº 24.298
Rodrigo Peres Torelly OAB/DF nº 12.557
Assessoria Jurídica Nacional